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DUAS VIRTUDES: LEMBRAR E ESQUECER

Neste domingo, 11 de setembro, o mundo recua dez anos para relembrar o que jamais será esquecido, pois nada marcou mais indelevelmente os contemporâneos deste século 21 do que aqueles atentados terroristas que derrubaram as torres gêmeas em Nova York.

Quando revejo as cenas dantescas daquele dia fatídico, tenho uma reação imediata de horror e incredulidade, e outra, logo em seguida, de buscar a música ou a poesia para reafirmar minha crença no ser humano.

Não como fuga da realidade, pois não deixo de ouvir os alertas do poeta português Antero de Quental (cuja morte se deu num 11 de setembro, há exatos 120 anos), que dizia que "as nações modernas estão condenadas a não fazerem poesia, mas ciência", ou do sociólogo alemão Theodor Adorno (cujo nascimento se deu também num 11 de setembro, há exatos 108 anos), que dizia que "escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro", ou do poeta paranaense Paulo Leminski, que no seu celebrado “Distraídos Venceremos” assim versou: “lua à vista / brilhavas assim / sobre auschwitz?”, ou ainda a constatação do crítico literário francês George Steiner: “Sabemos que um homem pode ler Goethe ou Rilke à noite, que ele pode tocar Bach e Schubert, e ir trabalhar na manhã seguinte em Auschwitz", ou, finalmente, a indignação da poetisa, escritora e dramaturga brasileira Hilda Hilst: “Aqueles alemães não ouviam Bach, Wagner, Beethoven, não liam Goethe, Rilke, Hölderlin(?????) à noite, e de dia não trabalhavam em Auschwitz?”.

Mas é exatamente quando a poesia parece interditada, muda e perplexa, que ela se faz mais necessária, pois como disse o grande Graciliano Ramos: “A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer”.

Neste sábado, 10 de setembro, comemoramos os 81 anos do poeta maranhense Ferreira Gullar. É dele a belíssima poesia “Traduzir-se”, que mostra bem a dualidade do homem e todas as suas possibilidades, benignas e malignas:

Uma parte de mim/é todo mundo:/outra parte é ninguém:/fundo sem fundo.

Uma parte de mim/é multidão:/outra parte estranheza/e solidão.

Uma parte de mim/pesa, pondera:/outra parte/delira.

Uma parte de mim/é permanente:/outra parte/se sabe de repente.

Uma parte de mim/é só vertigem:/outra parte,/linguagem.

Traduzir-se uma parte/na outra parte/-que é uma questão/de vida ou morte-/será arte?

Quem também usou as palavras não como enfeite, mas como lembrete, foi o poetinha Vinicius de Moraes, na sua magnífica “Rosa de Hiroshima”:

Pensem nas crianças/Mudas telepáticas/ Pensem nas meninas/Cegas inexatas

Pensem nas mulheres/Rotas alteradas/ Pensem nas feridas/Como rosas cálidas

Mas, oh, não se esqueçam/Da rosa da rosa/Da rosa de Hiroshima

A rosa hereditária/A rosa radioativa/Estúpida e inválida/A rosa com cirrose/A anti-rosa atômica

Sem cor sem perfume/Sem rosa, sem nada

Mas, ao mesmo tempo em que sei da importância do não esquecimento, antídoto contra a alienação, busco na música e na poesia formas de superar e ir adiante. Um pouco na linha do que ensinou o poeta e dramaturgo alemão Bertold Brecht em seu belo poema “Louvor do Esquecimento”:

Bom é o esquecimento./Senão como é que/O filho deixaria a mãe que o amamentou?

Ou como havia o discípulo de abandonar o mestre/Que lhe deu o saber?

Quando o saber está dado/O discípulo tem de se pôr a caminho.

Como é que o que foi espancado seis vezes/Se ergueria do chão à sétima

A fraqueza da memória dá/Fortaleza aos homens.

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